( tania rivera ) Saturno


convite da exposição




texto curatorial
O mundo tornado imagem é de imediato perdido. Por isso, a fotografia carrega certa melancolia; a imagem é sempre passado. A conquista imaginária do planeta Terra a qual os primeiros fotógrafos-viajantes se lançaram, gloriosos, permitia a ilusão de um ganho (de mundo). Hoje, a viagem da fotografia talvez tenha se tornado um tocante e repetido inventário do que nos resta. Nela, seríamos guiados por Saturno, que, segundo os antigos, estaria associado à produção da bile negra que domina o temperamento melancólico.
Saturno é uma dessas viagens do retorno, da perda, mas é também um itinerário de  transformação do mundo. Edu Monteiro nela retoma lugares assumidamente íntimos, em uma espécie de busca de si mesmo. De volta ao Sul do país, onde nasceu e passou sua infância, ele percorreu localidades da serra gaúcha e parte do longo litoral do estado. Às imagens obtidas nesses itinerários acrescentaram-se fragmentos obtidos em outras paragens, tais como Paris, Buenos Aires, Ilha Grande, Porto Alegre e Barbados.
Nessa múltipla viagem, o fotógrafo não confirma seu lugar no mundo, mas afirma-se fora de si, em determinados recortes do mundo. Em algumas fotografias Edu utiliza um complexo dispositivo concebido por ele e composto de um espelho circular que lhe cobre o rosto e ao qual se acoplam, em sua face interna, o visor e o disparador remotos de sua câmera fotográfica. Graças a esse aparato, o artista se duplica e divide entre aquele que vê e aquele que é olhado pela câmera. Em parte mimetizado ao ambiente, ele pode então, alternadamente, se confundir com o contexto à sua volta ou dele se destacar, brincando com a distinção entre paisagem e retrato, objeto e sujeito, de modo a afirmar na paisagem e no objeto uma estranha força de autorrepresentação.
Diferente de sua própria imagem, o sujeito surge assim com força, mesmo nas imagens em que não há espelho nem autorretrato; ele está disseminado em objetos e cenas. A fotografia retoma então toda sua potência alegórica, todo o estranho poder que talvez lhe atribuíssem em seus primeiros tempos: aquele de animar restos e fragmentos variados de mundo.

                                                                                                                                                       Tania Rivera

 

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